terça-feira, 17 de outubro de 2017

PMs PRESOS POR SEQUESTROS E MORTES TINHAM CASA DE TORTURA EM CANABRAVA

Uma estrada de chão batido leva a um casebre, no meio do mato, no Parque Sócio-Ambiental de Canabrava. A descrição pode até indicar um paraíso bucólico, perdido na grande cidade, mas basta olhar de perto para ver que carcaças de veículos em volta e buracos de balas nas paredes estão mais para cenário de filme de terror - ou faroeste. Os vilões também podem parecer confiáveis: policiais militares, a quem se recorre numa situação de perigo. Mas, para o empresário João* (nome fictício), que foi sequestrado e levado até o centro de tortura, em 2015, eles foram o próprio perigo.

Segundo a vítima, o local foi escolhido por uma quadrilha formada, principalmente, por PMs, para extorquir dinheiro dela e eliminá-la. Ele ficou por mais de uma hora na iminência de levar um tiro na nuca, caso não concordasse com as exigências do grupo que, segundo a vítima, tinha como ‘xerife’ Juraci Belo Santos, soldado reformado que está preso, e outro policial militar não identificado.

Histórico dos suspeitos
A prisão de Juraci, na verdade, ocorreu por conta de outro caso de sequestro e extorsão, que terminou com as mortes do agente penitenciário Andrew Trindade Vieira e o amigo dele, Marcos Gomes Vidal, ocorrido há um ano. Neste caso, o soldado Marcos Vinicius de Jesus Borges Ciriaco também é apontado como um dos assassinos.

Ciriaco já respondia, em liberdade, por homicídio, quando foi preso novamente em julho deste ano. Desta vez, junto com outros três PMs (ver abaixo) e uma quinta pessoa, todos suspeitos de extorquir, torturar e matar um casal dentro de uma casa no bairro de Placaford, em setembro de 2016. Em comum, em todos os casos, a extorsão, mediante tortura psicológica, e pedidos de altas quantias em dinheiro – terminando, em alguns casos, com a morte dos ‘selecionados’.

Decisão de falar
Apesar da repercussão dos crimes e da prisão dos envolvidos, todos ainda permanecem nos quadros da PM e podem ser soltos a qualquer momento.

Mas o que chamou a atenção de uma das vítimas foi a escolha de um local para a prática da tortura e, aparentemente, execução de sequestrados. “Fiquei apavorado com o que vi. A construção estava toda furada de balas e nos comentários deles, dava pra ver que não fui o único a ser lado para ali”, conta João, ao retornar no último dia 6 de setembro com o CORREIO à cena que jamais esquecerá. “Voltar aqui é como ter novamente a sensação de morte. Foi Deus que me livrou. Só tenho essa explicação para poder estar aqui e reviver isso”, revelou o empresário, que após dois anos, resolveu falar, a fim de evitar que a quadrilha volte a fazer novas vítimas.

“Eles não podem ficar impunes. Precisam ficar presos para que não façam o mesmo com outras pessoas. Só eu sei o trauma que carrego”, declarou João. Além de Juraci Belo, ele reconheceu mais um dos seis bandidos que o extorquiram: é Osmário Barbosa Damião, que já foi preso por roubo a confecção.

Sequestro
Morador de Cajazeiras, João era proprietário de uma frota de caçambas e guinchos na Av. Gal Costa. A quadrilha chegou a ele porque um dos suspeitos morava no mesmo bairro dele e, por isso, conhecia sua rotina. O bando montou um plano para sequestrá-lo. Aproveitou que João pôs à venda um galpão e simularam interesse. “Ligaram pra mim e marcamos um ponto de encontro”, conta João. O empresário tinha no bolso da calça R$ 7,8 mil, recebidos naquele dia.

Os criminosos chegaram em dois carros por volta de 12h. O primeiro levava Osmário e um policial, e foi o veículo que enquadrou João no local onde ocorreria a negociação. O segundo carro, na retaguarda, trazia o restante do bando, entre eles o PM aposentado Juraci.

“Na hora, todos saíram dos carros e disseram que eram policiais civis e que iam me levar para a delegacia, que eu era procurado, que seria preso e que tinha que pagar R$ 100 mil pela minha liberdade. Disse que não tinha e que nada devia à polícia ou à Justiça. A partir daí, passaram a me exigir R$ 120 mil para não morrer”, contou o empresário.

Osmário, que está preso, e o PM não identificado o puseram dentro de um dos carros e o levaram rumo ao casebre em Canabrava. Já os demais, seguiram para a casa do empresário em Cajazeiras. No trajeto até Canabrava, Osmário era quem conduzia o carro e parecia mais agitado. “Ele estava muito nervoso. A todo momento, ele dizia para o PM – que estava do meu lado, no banco de trás –, que eu não poderia sair vivo”, recorda.

Os bandidos faziam contato pelo celular e, pela conversa, João percebeu que os outros já estavam em sua casa. “Eles diziam que encontraram R$ 5,6 mil. Insistiam em mais, mas não tinha. Então, disse que poderia ligar para um amigo e fazer um empréstimo. Mas não quiseram. Insistiam que eu mentia, que ia morrer”, relatou.

Ainda no caminho para Canabrava, o PM que estava ao lado, com uma arma apontada para João, aproveitou o momento em que Osmário estava mais concentrado no percurso e pegou os R$ 7,8 mil que estavam em seu bolso. “Ele fez um sinal para eu ficar calado, senão me apagaria”, relata. (As informações do Correio)

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