Entre 2009 e 2010, o escritor baiano Matheus Rocha começou a publicar os seus textos no perfil Neologismo na plataforma Tumblr, de blogs, para “desabafar sobre a vida”. Tinha iniciado graduação na área de engenharia de alimentos, mas não gostava nem da ideia de continuar, nem da possibilidade de retornar ao cursinho pré-vestibular. A quantidade de seguidores-leitores foi crescendo e os pedidos para publicar um livro também. “Eles queriam um produto físico, além de acompanhar na internet. E recebi o convite da editora Sextante”, diz.
Atualmente, o jovem tem três livros e 487 mil seguidores em seu perfil no Instagram. Integra um conjunto de autores baianos que vêm ganhando visibilidade nacional (milhares de seguidores-leitores) com literatura autoral produzida em plataformas de redes sociais, como Tumblr, Facebook e Instagram, e lançando livros por editoras de pequeno e grande porte. Alguns intitulam-se também como influenciadores digitais, por emitirem opinião sobre diversos temas que atravessam sentimentos, relações amorosas, política e valores.
“Nunca escolhi ser escritor, acho que a escrita me escolheu. Só estava desabafando sobre assuntos que não conseguia falar com amigos e a minha família, e hoje já tenho livros”, afirma Matheus, que nasceu em Feira de Santana, vive em São Paulo e é autor de No meio do caminho tinha um amor (2016) e Pressa de ser feliz: crônicas de um ansioso (2018) e coautor de Muito amor por favor (2016). No Instagram expõe, em geral, textos curtos reflexivos e motivadores, além de sentimentos.
Recentemente postou as frases: “Hoje eu só quero um open bar de cafuné” e “a vida fica mais leve quando a gente agradece mais do que pede”. Matheus Rocha é lido por celebridades como Bruna Marquezine, padre Fábio de Melo e Marília Mendonça.
Para ele, os escritores em redes sociais online caracterizam-se pela abordagem de assuntos cotidianos “que os grandes autores do passado não conseguiram dar conta porque não viveram o momento atual”. As publicações se inserem no intenso fluxo de informações que emerge nesses sites. A dimensão literária, de acordo com Matheus, interage constantemente com esse contexto contemporâneo.
“Isso significa se manter atual, mas não perder a poesia, que é a parte mais florida da escrita. E também temos um papel de informação. A gente acaba servindo de influenciador digital, porque não há como escapar disso tendo um perfil profissional (com milhares de seguidores) nas redes sociais. Porém a gente influencia através dos sentimentos”, fala.
Exagerada
Há quatro anos, Dani Santos, de Vitória da Conquista, encontrou nas redes sociais, sobretudo Facebook e Instagram, ambientes propícios para desaguar sentimentos em postagens, frutos “de momentos de dor e de felicidade”. Tal como Matheus Rocha, buscava um “cantinho para desabafar”. Criou o perfil Exagerada Sim, cujo título baseia-se em um texto próprio. Sequer imaginava os desdobramentos desse movimento: 234 mil seguidores-leitores no Instagram.
”Ninguém cria um filho para ser escritor, não é mesmo?”, questiona, revelando que ficou assustada no processo de edição do primeiro livro, 30 Dias sem você, após o convite da editora Schoba. “Nunca havia imaginado que lançaria um livro, tinha poucas ambições em relação à escrita, ou quase nenhuma. Era um hobby que se transformou em trabalho de forma muito natural”, conta.
No entendimento de Dani, há uma nova geração de escritores que, apesar de enfrentar resistência e preconceito por atuar nas redes sociais, tem quebrado paradigmas, ligados, principalmente, às possibilidades de interação com seguidores-leitores e divulgação dos seus textos e livros nesses espaços.
“A verdade é que a tecnologia nos deu a facilidade de escrever e ter gente lendo quase que instantaneamente. No mais, somos como quaisquer escritores”, diz a jovem, acrescentando que esse fenômeno pode contribuir para uma ampliação da prática de leitura no Brasil. “Muitas pessoas me dizem que foram despertadas para a leitura através do que posto nas redes. É um movimento literário que tem ganhado cada vez mais visibilidade e força”.
Nas palavras de Edgard Abbehusen, que vive no município de Muritiba, no Recôncavo da Bahia, e administra perfil homônimo no Instagram com cerca de 480 mil seguidores, “escrever nas redes sociais é ter uma reação imediata dos leitores”.
Embora considere que esses ambientes democratizam a criação de conteúdo, pondera que o livro continua sendo um horizonte dos escritores. É o que dá “um frio na barriga”, segundo o rapaz, que participou ontem da mesa Os Filtros que Usamos na Literatura do Nosso Tempo, na Feira Literária Internacional de Cachoeira (Flica). Também lançou o livro Quem tem como me amar não me perde em nada, no ano passado, pela editora Villardo.
Edgard diz que a comercialização do seu livro nas lojas depende da assiduidade nas redes sociais e que há uma transferência significativa de seguidores do Instagram que se tornam compradores.
“Se eu não postar, não vendo livro. A pessoa lê um texto, gosta e procura saber mais. Compra o livro. Na primeira semana de vendas do meu primeiro livro, uma mulher de Minas Gerais comprou 50 exemplares para presentear parentes e amigos no Natal. Esse relacionamento vem da internet. No meu caso, que sou de editora pequena, só posso contar com a confiança de quem me acompanha”.
Postagem e interação
Nos sites de redes sociais, as interações são diversas. Comentários, direct, curtidas, feedback, além de relatos afetivos das experiências de leitura dos textos. Essas interações chegam até personalidades, artistas e influenciadores digitais com visibilidade nacional e internacional, como conta Matheus Rocha.
“Nunca espero que alguém tão famoso vá entrar em contato com a minha literatura. Tenho famosos como Bruna Marquezine, que está sempre entre as curtidas, o padre Fábio de Melo, a cantora Marília Mendonça. São pessoas que assisto na TV, acompanho em notícias, nas revistas, e que consomem meu trabalho. É surreal, posto um texto sobre a minha vida e de repente a Bruna Marquezine curte”.
No contato com os seguidores-leitores, Edgard fala que, quando é possível, responde, mas tem cautela para conversar sobre questões pessoais. Muitas vezes, por conta da visão positiva da realidade e do cotidiano expressa nos textos, espera-se mais do autor. A ausência de limite entre o escritor e o influenciador digital chegou a incomodá-lo durante um tempo.
“Não sou psicólogo e não tenho estrutura emocional, nem licença profissional, para tratar de certos assuntos. Tem que analisar com muita frieza e ter responsabilidade com a vida das pessoas. Eu sou escritor e não posso ser maior que os meus textos”, afirma.
Engajamento
A literatura produzida em formatos para a publicação em plataformas online, que tem alcançado milhões de leitores no mundo inteiro, também tem sido feita por autores com um sentido mais explicitamente político, a exemplo da escritora baiana Míria Moraes, do município de Monte Santo, que lançou o livro Pai, não grite com a sua filha de modo independente em e-book. Há alguns meses, passou a cultivar o hábito de publicar textos curtos e frases em seu perfil no Instagram, priorizando a discussão de gênero e a militância contra opressões, principalmente o machismo.
Míria Moraes, de Monte Santo, utiliza as redes aliando ativismo e literatura
Míria Moraes, de Monte Santo, utiliza as redes aliando ativismo e literatura. Foto: Dudu Assunção / Divulgação
“Como o livro foi publicado em formato digital, vi a necessidade de adentrar nas redes. Então, as redes sociais vieram depois. Tenho passagens dele e dos poemas no Instagram. É importante ter a preocupação de como esse conteúdo vai chegar até as pessoas. E quando você vai tratar de algo político, como questões de gênero, de classe, de racismo, essa diversidade de perspectivas tem que aparecer”, defende.
Num percurso também inverso, das publicações em livro para as redes sociais, o escritor Matheus Peleteiro, com cinco livros publicados, enxerga o caminho para a redes sociais como uma “rendição lógica e necessária”, quando se demanda do escritor fazer a promoção das obras e de si próprio. Para o jovem autor soteropolitano, a literatura produzida nas redes sociais pode ser compreendida, em geral, como reflexo de uma sociedade fortemente interessada na promoção da imagem. “Vejo uma ótima analogia quando escuto pessoas do meio literário classificando esses textos como ‘literatura fast-food’. Gosto de ‘literatura fast-food’, acho engraçado e pertinente”, expõe, com bom humor, o seu ponto de vista.
A editora Alessandra Ruiz, que já trabalhou na Autêntica e na Sextante e editou o primeiro livro do baiano Matheus Rocha, explica que, antes das redes sociais, havia a necessidade de o escritor publicar para ser conhecido e atualmente ocorre o processo contrário. “É como se o autor já tivesse tido vários leitores críticos e um público inicial interessado. É um indicativo de que algo pode agradar e merece ser olhado. A gente olha para as pessoas que têm bastante seguidores, representatividade, interesse, e verifica se ali tem uma qualidade”, afirma.
Ela completa que, se um escritor que tem 500 mil seguidores vende 50 mil exemplares, já é um best-seller. “Não são todos que vão comprar, mas ali já tem um público, como, em outros tempos, autores como Jô Soares, Luis Fernando Veríssimo, que já eram conhecidos e tinham os próprios nichos”. Ter 500 mil seguidores hoje é um grande nicho. (As informações do A Tarde)
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