Uma professora negra que luta pelo "enegrecimento" do corpo docente da Universidade Federal da Bahia (Ufba). É assim que se define Denise Carrascosa, docente e doutora que leciona no Instituto de Letras. A causa que defende desde que entrou na instituição, há nove anos, para ela, é a principal razão de ter sido ameaçada por um aluno, na tarde de terça-feira (23), no campus de Ondina, em Salvador.
Integrante de um grupo de pesquisa, Denise tinha acabado de chegar no instituto para encontrar os colegas, por volta de 14h, quando foi surpreendida por um jovem estudante – branco, como faz questão de registrar –, que se direcionou a ela e, em voz alta, disse: "depois do dia 28, você vai ver, professora", em referência ao próximo domingo (28), quando acontece o 2º turno das eleições presidenciais.
A aparente ameaça, presenciada por outros dez estudantes e funcionários, não foi, de imediato, compreendida por Denise – que sequer conhecia o rapaz. "Ele mandou eu começar a rezar, porque tudo ia 'acabar no domingo'. Eu reagi pedindo para que ele não me dirigisse a palavra. Ele, então, me fez uma ameaça direta: 'dia 28 tá chegando, e você vai ver'. Aí eu entendi a ameaça dele", relatou ao CORREIO.
Em nota emitida nesta quarta-feira (24), a Ufba disse que nos últimos dias têm ocorrido manifestações "ameaçadoras, genéricas ou diretas, eivadas de racismo, homofobia e preconceitos de gênero". A universidade afirmou ainda que não compactua com violência e preconceito.
Segundo a professora, o autor da ameaça é um aluno do Instituto de Geociências, que não teve o nome divulgado, e estuda no mesmo campus em que Denise dá aula às turmas da graduação e pós-graduação.
"Ameaçou e fugiu. Na certa, para se livrar do flagrante. Eu tive o apoio do pessoal da portaria, que me ajudou a descobrir quem ele é", comentou a professora.
Ameaça racista
Embora não tenha ouvido do agressor qualquer palavra que fizesse referência ao fato de ser uma mulher negra, Denise Carrascosa considera que as bandeiras raciais que levanta no ambiente acadêmico, em nome da "igualdade racial dentro da universidade", despertam a antipatia e explicam a "ameaça racista" que sofreu.
"Eu sou uma das poucas professoras negras; mais de 90% do corpo docente é branco. Eu pauto assuntos raciais, como as cotas, e eu vou contrariar pessoas como ele. É do conhecimento de toda comunidade acadêmica a minha luta pelo enegrecimento da docência da Ufba. Para que a injúria racial aconteça, não há, necessariamente, a necessidade de palavras de cunho racista. Há todo um discurso por trás", destacou Denise.
Ante o incidente, a professora doutora prestou queixa na sede da Polícia Federal, no Comércio, e também solicitou a abertura de um processo interno administrativo na universidade. "Por que ele não atacou, então, uma professora branca que não vota no candidato que ele defende? Eu fui um alvo selecionado", complementou.
Procurada, a PF não retornou à reportagem. A Ufba, por sua vez, classificou a ameaça do aluno como uma "ameaça grave e que deve ser imediata e firmemente combatida". A instituição informou ainda que mobilizou a Coordenação de Segurança para fazer o acompanhamento do caso, dando "todo apoio à docente".
Ainda segundo a universidade, foi de conhecimento da comunidade acadêmica a existência de inscrições recentes em banheiros, nas quais, "para mentes agressoras e limitadas, a vitória de um candidato iria 'limpar' nossas escolas de pobres, pretos e gays".
"A Ufba deve ser espaço de convívio saudável, nunca de discriminação. Nesse sentido, a militância de docentes, técnicos e estudantes, ao longo de décadas, tem contribuído para o respeito às diferenças e o acolhimento, trazendo para a Universidade demandas relevantes e justas da instituição e da sociedade", acrescenta nota.
Medidas legais
Denise Carrascosa, que afirma ter sido "escolhida" para sofrer a agressão, disse que teve o acompanhamento da Ufba, mas destacou que foi essencial, para ela, após a agressão, o apoio de amigos advogados que compõem o coletivo Luiza Bairros - frente responsável por promover pautas em prol do povo negro dentro da Ufba.
"Os professores Samuel Vida, da Faculdade de Direito, que é meu advogado. Gabriela Ramos, advogada, também de faculdade. Ela também faz parte do programa de pós-graduação [da Faculdade de Direito], além dos professores Tatiana Emília Dias Gomes e Maurício Azevedo, também da Faculdade de Direito. Foi importante tê-los comigo nesse momento", salientou a vítima.
Acompanhada pelos quatro advogados, Denise foi ouvida por policiais federais e espera que o estudante responda criminalmente junto à Justiça.
A Ufba repudiou o fato e afirmou que tem o dever de "ampliar direitos, combater a desigualdade e toda manifestação de autoritarismo. Manifestando-se então contra essas ameaças. A universidade também se compromete a redobrar sua atenção e a buscar todo amparo e todo recurso legal, pois não pode ser lugar do medo, mas sim de conhecimento e liberdade".
Ainda assim, a professora disse à reportagem que espera que a instituição tome providências administrativas e abra um processo interno de apuração. Carrascosa afirmou que já solicitou a abertura de processo na diretoria do Instituto de Letras.
Procurada pelo CORREIO, a Ufba afirmou que "todos os processos administrativos são regidos por lei", sem informar, no entanto, se há e quais serão os caminhos internos de apuração. Por meio da assessoria, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) disse que as polícias Civil e Militar não foram chamadas para atender à ocorrência. (As informações do Correio)
Nenhum comentário:
Postar um comentário