Os ataques judiciais contra o leilão de trecho da ferrovia Norte-Sul, previsto para a próxima quinta-feira (28), não deverão se encerrar com a realização da concorrência. Hoje, já há processos que pedem a suspensão liminar do certame. No entanto, mesmo que ele ocorra, o contrato será alvo de ação na Justiça.
Um dos processos em curso é uma ação popular que pede a suspensão do leilão, movida por José Manoel Gonçalves, presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias). A ação foi apresentada à 14ª Vara Cível Federal de São Paulo e, até a conclusão deste texto, ainda aguardava a decisão do juiz.
O Ministério Público Federal recomendou ao Ministério de Infraestrutura a suspensão do certame e a mudança de pontos da modelagem.
A principal crítica é que o leilão estaria direcionado à Rumo e à VLI (empresa de logística da Vale). As duas companhias são as operadoras responsáveis pelos demais trechos da ferrovia -ao sul e ao norte, respectivamente.
As ações dizem que uma terceira companhia não teria condições de competir porque o edital não garante o direito de passagem pelos tramos controlados pelas duas empresas.
Como o trecho da Norte Sul que será leiloado não tem ligação com nenhum terminal portuário -ele vai de Palmas (TO) a Estrela D'Oeste (SP)-, sua operação necessariamente depende do acesso aos demais tramos da ferrovia.
No edital, esse acesso é garantido por cinco anos. O contrato, porém, é de 30 anos.
"Os negócios da ferrovia vão depender 100% do direito de passagem pelos tramos norte e sul. O acesso deveria ser obrigação das empresas, mas está sendo tratado como favor", diz Gonçalves, da Ferrofrente.
A entidade, formada por diversos profissionais ligados ao setor, tem entre seus membros Bernardo Figueiredo, ex-diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ex-presidente da EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Hoje, ele é consultor da empresa russa RZD, que teria desistido de participar da licitação devido à questão do direito de passagem.
Se a liminar não sair e o leilão se concretizar, o presidente da associação diz que apresentará uma nova ação, pedindo a revogação do resultado.
Há ainda um outro obstáculo: o TCU (Tribunal de Contas da União). O órgão já havia dado aval ao edital, mas, após questionamentos do Ministério Público ao tribunal, iniciou-se uma nova apuração.
Procurado, o ministro relator do caso, Augusto Nardes, preferiu não se manifestar.
Mesmo com todos os imbróglios, o Ministério de Infraestrutura reafirmou que o leilão será mantido.
"É um leilão importante. Se não colocarmos a Norte-Sul para operar, ela vai se degradar", afirmou o ministro Tarcísio Gomes de Freitas.
Ele diz que o edital já foi discutido intensamente com o TCU no passado e que o MPF abriu um canal de diálogo, o que dá à pasta "a esperança de uma construção coletiva".
Em relação ao direito de passagem, ele diz que o modelo está bem equacionado e foi discutido em consultas públicas. "No início, a modelagem previa 30 anos [de direito] e se considerou um excesso porque seria impossível prever a demanda por 30 anos. Mas isso não quer dizer que fique restrito aos cinco anos, podemos prorrogar."
Para o ministro, a questão do acesso a outras ferrovias não é um problema exclusivo da Norte-Sul e terá que ser equacionado nos demais contratos. "Não adianta querer resolver todos os problemas regulatórios neste leilão. É preciso confiar na regulação."
Freitas disse ainda que haverá mais de um interessado no leilão. A expectativa do mercado, no entanto, é que só Rumo e VLI apresentem propostas.
O favoritismo das duas companhias é natural, segundo Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, que assessora a chinesa CCCC, outra grande interessada em investimentos em infraestrutura no país. "As empresas terão sinergias, e é normal que possam dar lances mais competitivos", diz.
Na sua visão, o problema não está na modelagem do atual leilão, e sim no planejamento das concessões feito no passado. "Tinham que ter pensado nisso no começo. Talvez esse não seja o modelo perfeito, mas foi o possível."
Para o advogado Alberto Sogayar, sócio do escritório L.O. Baptista, o governo poderia ter trabalhado alternativas na modelagem que possibilitariam uma concorrência maior. "O edital está limitado."
Na opinião de outro analista do setor, independentemente de haver alternativas, o imbróglio torna o leilão da Norte-Sul uma má escolha para ser o primeiro do setor. (As informações da Folha de São Paulo)
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