Dom Murilo S. R. Krieger*
Acidade estava em festa. Mais uma vez Jerusalém recebia uma grande multidão de peregrinos, vindos de cidades próximas e de países distantes, em visita a seu famoso templo. Eis que, de repente, apareceu Jesus de Nazaré, montado em um jumento. O povo não se conteve: pôs-se a louvar a Deus em altas vozes. Crianças, jovens e adultos estendiam seus mantos pelo caminho. Cortavam ramos de palmeira e saíam ao seu encontro, gritando: "Louvor a Deus! Deus abençoe o que vem em nome do Senhor!".
Se naquele tempo houvesse jornalistas, estaria garantida a manchete para a edição dos jornais do dia seguinte: "Quem é este?". Afinal, essa era a pergunta feita pelos moradores de Jerusalém, diante da agitação da cidade com a chegada de Jesus. A resposta era dada pelos que participavam daquele grupo que se formara espontaneamente: "Este é o profeta Jesus, o de Nazaré da Galileia".
É possível que essa resposta não tenha satisfeito a curiosidade dos estrangeiros que se encontravam por ali e que nada sabiam de Jesus. Nem os Doutores da Lei estavam entendendo o comportamento e a alegria do povo. Também os apóstolos sentiam-se surpresos. Só mais tarde é que lembrariam que aquele momento tinha sido previsto séculos antes pelos profetas.
Como explicar o fenômeno daquele primeiro Domingo de Ramos? Ali estava alguém que era recebido como um rei, mas que tinha entrado na cidade montado em um jumento, não transportado por uma carruagem; encontrava-se rodeado de um pequeno grupo de pescadores, em vez de ser protegido por um poderoso exército. Além disso, que rei era esse que não tinha coroa, nem terras ou riquezas? Ninguém entendia a razão de tal recepção.
Impressionava a convicção que o próprio Jesus tinha de sua realeza. Dias depois, ele afirmaria solenemente a Pilatos: "Sim, tu falaste: eu sou rei!". No domingo, enquanto era aclamado pelo povo, ao lhe pedirem que repreendesse os que o saudavam, respondeu: "Se eles ficarem quietos, eu lhes digo, as pedras hão de gritar!".
Poucos dias depois, na mesma cidade de Jerusalém, mais uma vez Jesus de Nazaré estaria envolvido pela multidão. Dessa vez, porém, o povo não o aclamaria, mas pediria sua condenação: "Crucifica-o, crucifica-o!". Pilatos se surpreendeu com o tal rei: quem estava ali, diante dele, tinha uma coroa de espinhos, uma cana na mão e estava ensanguentado - enfim, com um aspecto que não era agradável de ver.
Como entender o fenômeno que acontecera - isto é, a festiva aclamação de um dia ser substituída, em poucos dias, por uma total rejeição? Como entender uma mudança assim tão brusca? Não é fácil explicar tamanha inconstância. A melhor resposta para a mudança de sentimentos foi dada pelo próprio Jesus de Nazaré: "Meu reino não é deste mundo...". Ele deixou claro que não veio em busca de glórias, de louvores e elogios: "Nasci e vim ao mundo para um só fim: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que pertence à verdade ouve minha voz!".
Hoje, é fácil nos colocarmos na posição de juízes e criticar a inconstância de quem, dois mil anos atrás, estava em Jerusalém. Mas será que nós mesmos não somos tão ou mais inconstantes? Não mudamos facilmente de opinião, levados por simpatias ou antipatias pessoais? Não nos deixamos levar por um sentimentalismo superficial e acrítico? Penso que não preciso dar exemplos, para ajudá-los a ter resposta para essas perguntas. A verdade é que a perseverança no seguimento de Jesus Cristo não se consegue apenas com bons propósitos, mesmo que feitos com a melhor das intenções. Há necessidade de fundamentá-los e renová-los, de fundamentá-los e transformá-los em gestos concretos, a cada dia, a cada hora. Também em nossos dias, as mesmas mãos que estendem um manto ou jogam ramos para dar passagem a um rei podem servir, pouco depois, para se levantarem em acusação, exigindo sua crucificação.
Um rei pede passagem em sua vida, leitor. A experiência de Jerusalém nos ensina, contudo, que não basta aclamá-lo alegre e festivamente num Domingo de Ramos...
*Arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil
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