Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) comprovaram que a bactéria Wolbachia, quando presente no Aedes aegypti, é capaz de reduzir a transmissão do vírus zika. Publicado nesta quarta-feira, 4, na revista científica Cell Host&Microbe, o estudo integra o projeto “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil”, que investiga a infecção do mosquito pela bactéria como estratégia para impedir a multiplicação de vírus no Aedes. A pesquisa mostra ainda que a Wolbachia, presente em 70% dos insetos na natureza, também reduz a replicação do zika no organismo do mosquito.
O estudo usou dois grupos de mosquitos Aedes aegypti: um com Wolbachia, criados em laboratório pela equipe do projeto, e outro sem a bactéria, coletados no Rio de Janeiro. Eles foram alimentados com sangue humano contendo cepas de zika isoladas em São Paulo e em Pernambuco. Depois de 14 dias, os pesquisadores coletaram amostras da saliva desses mosquitos e infectaram novos mosquitos, que nunca tinham tido contato com o vírus zika. Dos mosquitos que receberam saliva de Aedes com Wolbachia, nenhum se infectou com o vírus zika. Já no grupo que recebeu a saliva dos mosquitos sem a bactéria, 85% dos insetos ficaram “altamente infectados”.
Em outra etapa, os mosquitos que receberiam a saliva contaminada pelo zika é que foram divididos entre os infectados com Wolbachia e os sem a bactéria. Quatorze dias depois, período em que o vírus já teria se espalhado pelo organismo do inseto e chegado à glândula salivar, 45% dos mosquitos com Wolbachia tinham o vírus, ante 100% do outro grupo.
Então, os pesquisadores se questionaram se esse vírus encontrado na saliva estava ativo e se o mosquito seria capaz de transmiti-lo. “Fizemos um modelo em laboratório para mostrar o que aconteceria na natureza: injetamos essa saliva entre 8 e 14 mosquitos que nunca viram o vírus. Depois de cinco dias, a gente fez o teste para ver se eles se tornaram infectados”, contou Luciano Moreira, coordenador do “Eliminar a Dengue” e pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou, unidade da Fiocruz em Belo Horizonte. “A gente descobriu que, quando a saliva vem de mosquito que não tem Wolbachia, 100% foram capazes de transmitir o vírus. Quando veio de mosquito com Wolbachia, houve bloqueio da transmissão”. Moreira ressalta que, na natureza, não há essa contaminação de um mosquito para o outro.
Os pesquisadores estudaram ainda como o zika se dissemina pelos tecidos do inseto contaminado por Wolbachia. Sete dias após a ingestão do sangue infectado com a cepa de Pernambuco, houve redução de 35% na replicação do vírus no abdômen, e 100% na cabeça/tórax do mosquito que tinha a bactéria, em relação ao mosquito sem Wolbachia. Quatorze dias depois, as reduções foram de 65% e 90%, respectivamente.
Já com a cepa de São Paulo, as reduções, nos primeiros sete dias, foram de 67% e 95%, no abdômen e na cabeça/tórax. Após 14 dias, os índices caíram para 68% e 74% na comparação com os mosquitos sem bactéria. “Os resultados para zika se comparam aos melhores resultados para dengue. Essa estratégia se mostra bem promissora”, afirmou Moreira. “Não quero dizer que a Wolbachia é a melhor estratégia. Tem que ter integração de estratégias que vão enfrentar o problema, seja o uso de inseticida, o de vacinas, quando forem criadas, e campanhas de conscientização da população para reduzir focos”. O projeto “Eliminar a Dengue: Desafio Brasil” é uma iniciativa sem fins lucrativos, que teve início no País em 2012. Houve liberação de mosquitos com bactéria Wolbachia nos bairros de Tubiacanga, na Ilha do Governador, zona norte do Rio, e Jurujuba, Niterói, no Grande Rio.
A Wolbachia está presente em 70% dos insetos na natureza, como a mosca da fruta e o pernilongo. Sem manipulação genética, os pesquisadores infectam o ovo do Aedes aegypti com microinjeções. Os insetos são liberados na natureza e os próprios mosquitos tratam de transmitir a bactéria: se a fêmea estiver contaminada, a prole já terá a Wolbachia, que passa a ser transmitida naturalmente de geração em geração. Se apenas o macho estiver infectado, os ovos que ele fertilizar não eclodem. O resultado mais recente divulgado pelo projeto mostrou que 80% dos mosquitos Aedes aegypti destas localidades possuíam a bactéria Wolbachia ao fim dos estudos de campo realizados entre agosto de 2015 e janeiro de 2016. O estudo é feito simultaneamente na Austrália, Indonésia, Colômbia e no Vietnã.
Recentemente, o Ministério da Saúde chegou a marcar um evento em que o então ministro, Marcelo Castro, anunciaria a expansão do projeto. Castro deixou o governo. O ato não ocorreu. “Temos conversado com o ministério sobre a possível expansão do projeto e com financiadores internacionais. Mas ainda não podemos dizer nem onde seria nem quando ocorreria essa expansão. Acredito que, com mais esse efeito de bloqueio contra o vírus zika, o projeto se mostre ainda mais promissor”, afirmou Moreira. (As informações do ESTADÃO)
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