Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4850/2016, que foi apresentado no último 29 de março e reúne as propostas da campanha Dez Medidas contra a Corrupção, promovida pelo Ministério Público Federal (MPF). O órgão elaborou as propostas no decorrer das investigações da Operação Lava Jato, que há mais de dois anos apura uma série de desvios na Petrobras e em outras empresas públicas.
O projeto foi protocolado como matéria de iniciativa popular, após o MPF coletar mais de 2 milhões de assinaturas em todo o país. A iniciativa de levar o abaixo-assinado ao Congresso é semelhante à Campanha pela Lei da Ficha Limpa, que foi lançada em 2008 com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos nas eleições.
O teor das Dez Medidas tem provocado debates em diversas esferas e já foi criticado por juristas que entendem que o pacote é mais repressivo do que punitivo, tocando em cláusulas pétreas da Constituição Federal. O subdefensor público geral do Rio de Janeiro, Rodrigo Pacheco, afirmou, em evento realizado em setembro último, que medidas de combate à corrupção não podem suprimir direitos.
Segundo Pacheco, a Defensoria Pública não é contraria ao combate à corrupção, “mas entende que os instrumentos utilizados devem estar em consonância com a Constituição”. Já o Ministério Público Federal defende que as medidas são essenciais para o combate às ilegalidades. O apoio tem vindo inclusive dos procuradores que fazer parte da força-tarefa da Operação Lava Jato, que participaram de debates na Câmara sobre o tema.
Entre as propostas, estão o aumento da pena para corrupção e seu entendimento como crime hediondo, além de mudanças para tornar crime o enriquecimento ilícito e dar maior agilidade às ações de improbidade administrativa.
Outra discussão polêmica é sobre a criminalização do chamado caixa 2. Na avaliação de alguns parlamentares, o texto abrirá uma "brecha" para anistiar o caixa dois praticado antes de a lei entrar em vigor, o que poderia configurar uma espécie de "anistia" para casos anteriores à nova normatização.
Ainda na discussão, um ponto polêmico levantado é a inclusão, ou não, do crime de responsabilidade para juízes e membros do Ministério Público entre as medidas. A proposta não constava no projeto inicial apresentado pelo MPF, mas chegou a ser incorporada pelo relator da comissão especial que analisa a matéria, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), no decorrer do trabalho do colegiado. A última versão, entretanto, retirou a medida.
Conheça cada uma das medidas da proposta original do MPF:
1. Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação
A primeira medida propõe uma série de ações com o objetivo de evitar os casos de corrupção e estimular a denúncia de práticas ilícitas. O texto sugere que entre 10% e 20% dos recursos de publicidade dos entes da Administração Pública sejam investidos em ações e programas de marketing para estabelecer uma cultura de intolerância à corrupção, conscientizar a população dos danos sociais e individuais causados por ela, além de angariar apoio público para medidas contra corrupção e reportar esse crime.
Entram ainda o treinamento de funcionários, criação de códigos de ética adaptados para cada carreira do serviço público e programas de conscientização e pesquisas em escolas e universidades. Para estimular a denúncia de casos de corrupção, o MPF propõe a garantia de sigilo da fonte, com a ressalva de que ninguém pode ser condenado apenas com base na palavra de informante confidencial, e há ainda ainda a possibilidade de ser revelada a identidade do denunciante se ele fizer denúncias falsas.
Pela medida, o Judiciário e o Ministério Público ficam obrigados a prestar contas da duração dos processos em seus escaninhos, formulando propostas quando seu trâmite demorar mais do que os marcos esperados.
2. Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
Esta medida propõe tipificar o enriquecimento ilícito, com penas de três a oito anos, mas passíveis de substituição no caso de delitos menos graves. A ideia é fazer com que a impunidade não seja motivação para a prática da corrupção e, para isso, o agente comprovadamente corrupto seria punido mesmo quando não seja possível descobrir ou comprovar quais foram os atos específicos praticados. De acordo com o texto, em caso de enriquecimento discrepante com a renda comprovada seria suficiente para o enquadramento.
3. Aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores
A terceira proposta é de eliminar a ideia de que a corrupção é uma prática com alto benefício e baixo risco, uma vez que tem comprovação difícil e penas brandas. Para isso, o MPF sugere aumentar as penas e a probabilidade de sua aplicação, além de diminuir a chance de prescrição do crime, que passaria a ser hediondo.
Segundo o Ministério Público, a corrupção chega a matar, considerando-se o cerceamento de direitos essenciais, como segurança, saúde, educação e saneamento básico devido ao desvio de verbas. Assim sendo, a referência punitiva da corrupção de altos valores passaria a ser a pena do homicídio. Nos casos que envolvam valores superiores a cem salários mínimos, o ato ilícito passaria a ser considerado crime hediondo, não cabendo, dentre outros benefícios, o perdão parcial ou integral da pena.
4. Eficiência dos recursos no processo penal
A quarta medida propõe 11 alterações no Código de Processo Penal (CPP) e uma emenda constitucional com o objetivo de aumentar a velocidade na tramitação judicial dos processos, diminuindo assim a sensação de impunidade em casos de crime de corrupção. Entre as mudanças estão novas regras para habeas corpus, a extinção da figura do revisor e a possibilidade de execução imediata da condenação quando o tribunal reconhece abuso do direito de recorrer.
5. Celeridade nas ações de improbidade administrativa
Nesta proposta estão três alterações na Lei nº 8.429/92, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. A ideia é que a fase inicial das ações de improbidade administrativa possa ser agilizada ao ter uma defesa única (atualmente, ela é duplicada). O MPF sugere também a criação de varas, câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e decorrentes da lei anticorrupção, e ainda a negociação pelo órgão para que se firmem acordos de leniência, como já ocorre no âmbito penal, para colaboração nas investigações.
6. Reforma no sistema de prescrição penal
Com a sexta medida, o Código Penal passaria por mudanças específicas em artigos que regem o sistema prescricional. Entre as ações práticas dessa proposta, estão alterações para evitar que o prazo para prescrição continue correndo enquanto o processo está parado devido a pendências de julgamento de recursos especiais e extraordinários, e também a ampliação dos prazos da prescrição da pretensão executória e a extinção da prescrição retroativa, instituto que, segundo o Ministério Público, só existe no Brasil e que estimula táticas que visam protelar o andamento dos processos.
7. Ajustes nas nulidades penais
Esta proposta sugere alterações no capítulo de nulidades do Código de Processo Penal, e tem o objetivo de ampliar a preclusão (perda do direito de agir nos autos) de alegações de nulidade e condicionar a superação de preclusões à interrupção da prescrição, a partir do momento em que a parte deveria ter alegado o defeito e se omitiu. Além disso, também estabelece, como dever do juiz e das partes, o aproveitamento máximo dos atos processuais e exigência da demonstração, pelas partes, do prejuízo gerado por um defeito processual à luz de circunstâncias concretas.
A medida traz também a sugestão de inserir novos parágrafos ao CPP para acrescentar causas de exclusão de ilicitude previstas no Direito norte-americano: essas mudanças, segundo o MPF, reservariam os casos de anulação e exclusão de provas do processo para quando houver uma violação real de direitos do réu. Assim, diz o órgão, a exclusão cumpriria seu fim, que é incentivar um comportamento correto da Administração Pública.
8. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2
A oitava medida propõe que os partidos políticos sejam responsabilizados de forma objetiva quando houver práticas corruptas e a criminalização da contabilidade paralela, o chamado caixa 2, além da criminalização eleitoral da lavagem de dinheiro oriundo de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação.
9. Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado
Com esta proposta se cria a hipótese de prisão extraordinária para “permitir a identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas”, segundo o MP. Além disso, há a sugestão de mudanças para que o dinheiro ilegal seja rastreado mais rapidamente, facilitando tanto as investigações quanto o bloqueio de bens obtidos ilicitamente.
10. Recuperação do lucro derivado do crime
A décima e última medida apresenta duas inovações legislativas que fecham brechas na lei para evitar que o criminoso alcance vantagens indevidas. A primeira delas é a criação do confisco alargado, que permite que se recolha (por confisco) a diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente lícita e o patrimônio total da pessoa condenada definitivamente pela prática de crimes graves, como aqueles contra a Administração Pública e tráfico de drogas.
A segunda proposta dessa medida é a ação civil de extinção de domínio, que possibilita confiscar bens de origem ilícita independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição. (As informações da Agência Brasil)
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